quarta-feira, 17 de outubro de 2012


DOON VALLEY (ÍNDIA), LISBOA, 16 de Outubro 2012 -  Hoje o mundo celebra o dia da alimentação, agradecendo a dádiva da comida e reflectindo sobre a injustiça no acesso a comida nutritiva e culturalmente apropriada, que deixa perto de mil milhões de pessoas à fome e um número ainda maior a sofrer de obesidade (1). Hoje é também o culminar da Quinzena de Acção pelas Sementes Livres, a primeira iniciativa em massa do novo movimento global para a liberdade da semente (2). Num momento crítico em que as sementes locais e tradicionais, que sustentam a alimentação de 75% das pessoas no mundo (3), estão a ser ameaçadas de extinção pela erosão e privatização genéticas, os dinamizadores do movimento pedem a libertação da semente, devolvendo este bem comum fundamental aos povos, para erradicar de vez a fome, a má nutrição e a pobreza.
Segundo o movimento global para a liberdade da semente, a falta e o excesso de comida representam dois lados da mesma medalha: um sistema global de produção de alimentos que privilegia a produção em grande escala de um número reduzido de espécies agrícolas de elevado valor acrescentado (cash-crops), tais como a soja, o milho, a colza e o trigo, em detrimento de centenas de espécies e milhares de variedades de plantas tradicionais (4). A aposta em monoculturas para a exportação e o abandono do cultivo para a auto-suficiência num grande número de países, foram acompanhados por uma perda de 75% da agro-biodiversidade a nível mundial desde 1900 (5).
As organizações e movimentos de base, especialistas, activistas, agricultores, agricultoras, guardiões e guardiãs de sementes que integram a nova aliança global, alertam para o momento de emergência que vivemos, no relatório cívico global sobre o estado das sementes de cultivo, lançado no arranque da campanha a 2 de Outubro (6). O relatório mostra como os actuais regimes de direitos de propriedade intelectual e o continuado crescimento horizontal e vertical das corporações transnacionais, têm resultado numa elevada concentração no mercado global das sementes e em restrições cada vez mais severas para a utilização das sementes, nomeadamente a proibição de guardar sementes protegidas por direitos (7). A física, autora e activista indiana, Vandana Shiva, que fez o apelo inicial para que todos se unissem na luta pela liberdade da semente, afirma: “Se a semente se torna monopólio nas mãos de meia dúzia de corporações, isso significaria a destruição da nossa biodiversidade”.
Centenas de eventos por todo o mundo assinalaram a Quinzena de Acção pelas Sementes Livres (8). Em Portugal foram organizados 17 eventos de Norte a Sul, com trocas de sementes, projecções do filme internacional “A Liberdade da Semente” (Seed Freedom), trabalho comunitário em hortas, oficinas de preservação de sementes tradicionais, e debates e encontros sobre a “emergência” da semente. Hoje pelas 15h30, mulheres e homens defensores de sementes juntar-se-ão num desfile performativo pela Baixa de Lisboa, retratando a “Maria Liberdade da Semente” - uma alusão ao quadro de Delacroix onde a mulher do povo guia o povo -, e distribuindo sementes tradicionais “livres” (9). Antes do desfile, a Campanha pelas Sementes Livres entregará um saco de sementes tradicionais juntamente com a Declaração para a Liberdade da Semente (10) à representação da Comissão Europeia em Portugal.
Para conseguir segurança e soberania alimentares, a diversidade é crucial. As explorações agrícolas biodiversas têm uma produtividade mais elevada com mais nutrientes por hectare do que as explorações que praticam a monocultura (11). Mas a agricultura baseada na biodiversidade só é possível se todos tiverem acesso às sementes adaptadas aos seus ecossistemas e culturas. Só libertando as sementes poderemos libertar a humanidade da fome e da má nutrição. O dia mundial da alimentação é o dia da libertação da semente.
 
Para mais informações:
Lanka Horstink – coordenadora da Campanha pelas Sementes Livres em Portugal, tel 910 631 664, sementeslivres@gaia.org.pt
 
Campanha pelas Sementes Livres
semear o futuro,colher a diversidade
Campo Aberto | GAIA | MPI | Plataforma Transgénicos Fora | Quercus
 
Movimento global para a Liberdade da Semente:
Smitha Peter, Navdanya, http://www.navdanya.org/
 
Notas
1) Burlingame, B. and Dernini, S. (Eds.) (2012). Sustainable diets and biodiversity: Directions and solutions for policy, research and action. Proceedings of the International Scientific Symposium BIODIVERSITY AND SUSTAINABLE DIETS UNITED AGAINST HUNGER, 3–5 November 2010, FAO Headquarters, Rome. Os números para obesidade incluem pessoas com excesso de peso (cerca de dois terços), definido como um índice de massa corporal de > 25%. Dados da WHO (Organização Mundial para a Saúde).
3) ETC Group (2008). Who Owns Nature? Corporate Power and the Final Frontier in the Commodification of Life. ETC Group Report, (publication)
4) FAO (2004) Factsheet “What is agrobiodiversity?”. In “Building on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge” (2004), FAO.
5) Dados do Banco Mundial, URL http://data.worldbank.org/topic/agriculture-and-rural-development (baseado nos dados da FAO).
7) Segundo o relatório recente de ETC Group, que estuda o sector agrícola e alimentar desde há 30 anos, dez empresas controlam 73% do mercado das sementes comerciais, apenas cinco empresas detêm mais de 50% e uma única empresa, Monsanto, domina 27%. In ETC Group (2011). Who will control the Green Economy?
8) Calendário dos eventos para a Quinzena a nível mundial. Calendário dos eventos em Portugal.
11) Altieri, M.A. (2009). “Agroecology, small farms, and food sovereignty”. Monthly Review Vol 61 Nº 3 p:102-113.
 
Informação adicional
2) Mais sobre as patentes sobre as sementes e suas implicações: http://www.no-patents-on-seeds.org/ + http://seedfreedom.in/learn/who-owns-the-seed/