terça-feira, 27 de março de 2012

Fábrica FEXOL - carta aberta publicada no Jornal Folha de Montemor de Março 2012

Exmos. Senhores,

Escrevo esta carta na qualidade de cidadão de Montemor-o-Novo.
Existe, atualmente, em funcionamento neste município uma unidade fabril de produção de azeite (“FEXOL”), cuja laboração me tem levantado um conjunto de preocupações e interrogações que passarei a expor.

De facto, e com especial enfoque para o período do ano que atravessamos, tem-se sentido (cheirado e visto) uma vaga de poluição sem precedentes na região. De facto muito mais do que em anos anteriores. Esta poluição consubstancia-se e materializa-se numa nuvem de fumo, bem visível, que paira sobre toda a cidade e que provoca e está na origem dum cheiro nauseabundo (interrogo-me senão poderá afetar a saúde pública!). Paralelamente constata-se aquilo que creio consistir em descargas periódicas para o meio recetor e que poluem de forma absolutamente irresponsável os cursos de água próximos, designadamente ribeiras e o rio Almansor. Tanto quanto julgo saber, qualquer descarga efetuada no meio recetor tem de ser obrigatoriamente sujeita a licenciamento e respetivo acompanhamento.
Não basta ter carta de condução…o respeito pelo código da estrada é parte principal e objeto de penalizações caso não o seja.
Com um elevadíssimo grau de certeza, esta situação e prática transgride e viola todos os princípios e regras ambientais, consistindo as mesmas, em crimes ambientais previstos, definidos e enquadrados na legislação em vigor.

Acrescento ainda que, no sentido de me informar sobre a real situação desta unidade dirigi-me aos serviços competentes, nomeadamente à Câmara Municipal, onde fui informado acerca das diligências realizadas. As mesmas (feitas em conjunto com a Direção Geral de Economia) permitiram apurar a não existência dum licenciamento assim como expuseram e evidenciaram a falta de condições de laboração. Estas diligências representam vistorias relativamente às quais não foi ainda obtida qualquer resposta, à data que escrevo.

Solicito a vossa maior atenção para a situação que vos descrevo, rogando encarecidamente a maior celeridade na indagação e posterior resolução da mesma.

Subscrevo-me atenciosamente na esperança de que darão a devida atenção a este facto tão gravoso sob todos os pontos de vista e penalizador do bem-estar de todos aqueles que habitam e frequentam esta terra que tanto se pretende estimada.


Cordialmente,

Pedro Neto
Rede de Cidadania de Montemor-o-Novo


Jantar Popular - Democracia Alimentar


No próximo dia 29 de Março, o Jantar Popular volta para reclamar a democracia alimentar!

18.30-20.00 Debate em círculo com vários/as oradores/as sobre democracia alimentar
20.30 - Jantar Popular Chili Mix de feijões tradicionais com arroz integral do Mondego e salada verde

O discurso da "sustentabilidade" que invadiu governos, governança, gestão empresarial e manuais académicos desde o fim dos anos 80, prometeu um ambiente mais são com uma gestão mais participada dos recursos naturais comuns. Mas o contrário aconteceu. O conceito "desenvolvimento sustentável" foi rapidamente reinterpretado para significar "crescimento perpetuado", que se tornou um paradigma intocável, racionalizado com o argumento de que mais crescimento promove mais riqueza, o que liberta fundos para proteger o ambiente, sendo o resto resolvido pelo avanço da tecnologia.
Mas o crescimento tão desejado verificou-se apenas para os países e empresas que conseguiram implementar economias de escala, muito à custa do ambiente e da democracia. Economias de escala incentivam a criação de monopólios, tanto sobre recursos naturais como sobre mercados.

A produção alimentar é o maior negócio global, superando até o sector da energia. Governos mais ricos e as grandes empresas agro-industriais realizaram isto muito cedo e incorporaram a agricultura nos acordos da Organização Mundial do Comércio. Hoje, a agricultura é discutida sobretudo nos "boardrooms" de multinacionais e nas cimeiras do comércio. A agricultura e os seus produtos e ainda os recursos naturais de que precisa, foram comodificados. Quem pode pagar, tem acesso aos mesmos, quem não pode, fica excluído do sistema.

O resultado das políticas agrícolas e da ganância dos últimos 50 anos é um sistema alimentar "avariado": milhares de milhões de pessoas, sobretudo rurais, foram excluídas do sistema, sem acesso à terra, água, sementes ou mesmo à alimentação mais básica. Ironicamente, o mesmo sistema alimentar causou uma epidemia de obesidade, pelo facto da comida processada ser mais barata do que a comida fresca, e há mais pessoas obesas do que famintas neste momento.
Os elos entre a produção e o consumo de alimentos foram quebrados e muitos de nós estão dependentes daquilo que os grandes supermercados nos dignam de proporcionar.

Como voltar à democracia alimentar? Como retomar a produção agrícola e alimentar e inverter a privatização e erosão dos nossos recursos naturais?

Estas e outras questões para "alimentar" a luta por comida nutritiva e apropriada, estarão em debate neste Jantar Popular. Aparece!

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A conversa começa às 18h30. O Jantar é servido às 20.30h, no RDA 69 (Rua Regueirão dos Anjos, nº 69, Lisboa).

A partir das 16h vamos estar a cozinhar, todas as mãos são bem-vindas!

O que é o Jantar Popular?
- Um Jantar comunitário vegano e livre de transgénicos que se realiza todas as Quintas-feiras no Regueirão dos Anjos nº69;
- Uma iniciativa inteiramente auto-gerida por voluntários. Para colaborar, cozinhar, montar a sala, basta aparecer a uma Quinta-feira a partir das 16h.
- Um projecto autónomo e auto-sustentável. As receitas do Jantar Popular representam o fundo de maneio do Centro Social do GAIA que mantém assim a sua autonomia.
- Um jantar onde ninguém fica sem comer por não ter moedas e onde quem ajuda não paga.

A contribuição sugerida são 3€

Seminário «Pensamento Crítico Contemporâneo»

A Unipop e a Associação de Estudantes do ISCTE-IUL organizam um seminário que pretende promover o debate sobre um conjunto de propostas teóricas que, posicionando-se criticamente face ao estado do mundo, têm procurado pensar as circunstâncias presentes e as alternativas que têm sido desenvolvidas no quadro da actual crise económica, mas também do ciclo de revoltas que, do Cairo a Wall Street, passando por Madrid, têm vindo a marcar o ritmo dos tempos que correm.

Ler mais: http://unipop.webnode.pt/

quinta-feira, 22 de março de 2012

Entrevista a Serge Latouche

Entrevista

A sociedade do crescimento "traiu as suas promessas" de abundância

19.03.2012 - 12:41 Por Raquel Martins
Serge Latouche, economista e professor na Universidade de Paris XI, é uma das vozes que em França têm defendido a teoria do "decrescimento sereno".
<p>Serge Latouche, economista e professor na Universidade de Paris XI</p>
Serge Latouche, economista e professor na Universidade de Paris XI
 (Dario Cruz)
322Serge Latouche, que esteve em Portugal há duas semanas a convite do Centro de Recursos para o Desenvolvimento para uma conferência na Gulbenkian, defende o abandono do objectivo do crescimento ilimitado, que traiu as suas promessas de emprego e abundância para todos. Em alternativa, propõe o decrescimento, um termo "provocatório" que se opõe à "religião" do "crescimento pelo crescimento". O objectivo é criar uma sociedade onde se viva melhor, trabalhando e consumindo menos. A crise pode ser uma oportunidade, mas Latouche receia que pouco mude. Quando um modelo falha, é preciso sobretudo nada mudar, ironiza.

O que está por detrás do conceito de decrescimento?

O decrescimento é um slogan que fomos forçados a utilizar para romper com o "ramerrão" do discurso desenvolvimentista, que fala em crescimento, crescimento e que nos conduzirá a uma catástrofe. Claro que é uma palavra provocadora, polémica... e até blasfema, porque temos uma relação quase religiosa com o crescimento. Podemos mesmo falar de uma religião, um culto, do crescimento. Falar de decrescimento cria um efeito de estupefacção. Decrescer por decrescer seria absurdo. Mas crescer por crescer é absurdo e ninguém se dá conta disso, porque estamos envolvidos nessa religião.

Defende um abrandamento do crescimento?

O problema não é o crescimento. É a sociedade que não tem outro objectivo que não seja o crescimento pelo crescimento. Não se trata de crescer para se satisfazerem as necessidades, que é uma coisa excelente. O que temos é uma sociedade em que quando as necessidades estão satisfeitas é preciso criar outras para se continuar a crescer. Temos o nosso destino ligado a esta lógica e é daí que temos que sair.

Como é que se faz a transição?

É preciso fazer uma revolução. Antes de mais, fazer uma revolução mental e cultural - descolonizar o nosso imaginário -, que nos pode levar a uma mudança de comportamentos e a uma mudança das formas de produzir. É uma mudança radical.

E onde encontra aliados para essa mudança?

Por todo o lado. Há em todos os homens a consciência de que estamos a dirigir-nos para uma catástrofe e que é preciso mudar. Mesmo os dirigentes empresariais e o poder financeiro sabem isso, mas têm interesses de tal forma potentes dentro da lógica do sistema que não têm a coragem de romper com ele. Pelo contrário, há milhares de pessoas que são vítimas do sistema e que teriam todo o interesse em mudá-lo.

Essas vítimas também parecem não querer sair do sistema.

Estes têm o seu imaginário colonizado pela publicidade, pelos media, pelos lóbis que financiam a publicidade e os media. No Antigo Regime, em França, havia uma elite esclarecida que provocou a revolução para instalar a República.

É uma revolução dessa ordem de grandeza a que defende?

Devemos imperativamente fazer essa revolução, se quisermos ter um futuro. Se não mudarmos o sistema, caminharemos para o desaparecimento da humanidade.

A crise económica e financeira que afecta o mundo ocidental é uma consequência do modelo do crescimento pelo crescimento?

É uma consequência da lógica desta sociedade de crescimento que, depois dos anos oitenta, não teve outro objectivo senão prolongar a ilusão do crescimento e entrou numa bolha financeira. Esta começou por ser uma crise financeira, mas é também uma crise económica e, acima de tudo, uma crise de civilização.

A saída da crise pode ser uma oportunidade para pôr em marcha o decrescimento?

É uma oportunidade. Saber se conseguiremos aproveitá-la é outra questão.

Quando ouvimos os líderes políticos na Europa, a lógica parece manter-se.

Exactamente. É por isso que o decrescimento deve ser feito contra os políticos, porque eles não querem compreender. Quando um modelo falha, é preciso sobretudo nada mudar.

Como é que se explica às pessoas que o decrescimento é melhor do que o crescimento?

É fácil. Neste momento, há muita gente no desemprego, os jovens não têm futuro. Esta sociedade traiu as suas promessas: a abundância prometida não é a abundância. Mesmo que consumamos e destruamos enormemente os recursos do planeta, nunca estamos satisfeitos. A lógica do crescimento é criar a ideia de nunca estarmos totalmente na abundância, porque se estivéssemos parávamos de consumir.

Mas se pararmos de consumir de forma repentina, haverá impactos significativos no emprego, por exemplo. É o que está a acontecer nos países que têm programas de austeridade como Portugal.

O consumo, de todas as formas, parou para muitas pessoas, por causa da austeridade. Mas é terrível, porque estamos sempre na lógica de uma sociedade do crescimento, mas sem crescimento. Não é a mesma coisa que uma sociedade de decrescimento que não está organizada para o crescimento. Está organizada para conviver bem, sem consumir demasiado, com base num consumo dentro das nossas necessidades e em que não é preciso trocar de máquina de lavar todos os dois anos, porque está sempre a avariar: temos uma que vai durar toda a vida. Não destruiremos a natureza, produziremos menos e teremos a mesma satisfação. Além disso, não teremos necessidade de trabalhar tanto para atingir o nível de satisfação que a publicidade vende. Porque para produzir os computadores que atiramos para o lixo ao fim de dois anos é preciso trabalhar, trabalhar, cada vez mais.

O decrescimento não está então no pólo oposto do bem-estar?

Pelo contrário. Trata-se de encontrar a felicidade perdida. Os inquéritos mostram que os portugueses, tal como os franceses, não se sentem felizes. Os economistas dizem: "Eles deviam ser felizes porque atingiram um nível de consumo elevado". Há aqui qualquer coisa que não está bem. A economia engana-nos. Promete-nos a felicidade, mas as pessoas não são felizes. É preciso, antes de mais, trabalhar menos. É estúpido trabalhar cada vez mais, para produzir cada vez mais, para desperdiçar cada vez mais. É preciso acabar com este massacre: produzir menos, porque não é necessário produzir cada vez mais, trabalhar menos e se trabalharmos menos as pessoas podem trabalhar todas e ter tempo livre.

O decrescimento também tem aplicação nos países subdesenvolvidos?

O decrescimento é um slogan provocatório para as sociedades de crescimento ocidentais. Para as sociedades ditas subdesenvolvidas há diferenças. África precisa de aumentar a sua produção, não para produzir infinitamente, mas para satisfazer as suas necessidades. A ideia de uma sociedade de abundância frugal é válida para África, Ásia, América Latina e Europa, mas a forma de a alcançar não é a mesma porque o ponto de partida é diferente.

Retomo a questão: como se sai do nosso modelo de sociedade?

Estamos a sair da sociedade de consumo à força. A questão é: estamos a sair para irmos para onde? Vai-nos levar, numa primeira etapa, a um gigantesco caos. E desse caos pode sair o melhor - o projecto de uma sociedade de decrescimento, uma sociedade de abundância frugal - ou o pior - uma sociedade ecofascista, ecototalitária, que está, de certa forma, em marcha um pouco por todo o mundo.

Sente-se um profeta?

De modo nenhum. Sou um homem normal. Fico sobretudo surpreendido que nem todos pensem como eu, porque me parece que tenho bom senso.

democracia

http://www.ted.com/talks/lang/pt/larry_lessig_says_the_law_is_strangling_creativity.html