AUTORES: Ana Fonseca
Quando, em 2005, passei parte das férias de Natal debaixo de uma azinheira a apanhar
quantidades infindáveis de bolota, para fazer umas experiências de culinária, estava longe de
imaginar a proporção que o consumo de bolotas iria tomar uns anos depois. Isto terá
acontecido não muito longe de onde o pai do Mestre Salgueiro iria apanhar bolotas para
vender aos fazendeiros da Maia (para estes darem aos seus porcos) e assim fazer algum
dinheiro extra. 14 anos depois, o cenário mudou bastante e temos cerca de 10 empresas a ter
um rendimento consistente com base na transformação deste produto para a alimentação
humana, e uma miríade de outras proto empresas, que vão fazendo as suas experiências
incrivelmente diversas, de norte a sul do país. Desde leites, patês, pão, bombons, a
hambúrgueres, esparguete, ou bolachas e café, a imaginação, nesta área, parece não ter fim.
A bolota é um produto que apaixona e isto porque se encontra associada à recoleção, ao
envolvimento com a Natureza selvagem e a sua capacidade de gerar alimentos de forma
generosa, sem intervenção Humana. É o fruto de uma grande família, os carvalhos, que por
sua vez se subdivide em inúmeras espécies que se distribuem por todo o mundo, desde a
Coreia, à Califórnia, desde a Dinamarca a Marrocos. Em todas estas regiões o homem comeu
bolotas e criou técnicas para retirar os seus taninos que as defendem dos ataques dos insetos,
mas também as tornam amargas. Uma das técnicas era “o avelar” em que se as punham num
“cesto azeitoneiro”, feitos com rebentões de oliveira, no fumeiro, durante o inverno. Perdiam
os taninos e ficavam como as avelãs.
Há quem ainda lembre as “Castanholas”, provenientes de uma ou outra azinheira,
distribuídas no meio do montado, e que davam bolotas que pareciam castanhas de tão gordas
e doces que eram. E ainda quem fale de se conservarem em grandes tanques em salmoura,
para dar aos porcos no resto do ano, ou da fábrica que fazia óleo de bolota e rações para
animais, em Évora. E há ainda a má memória da fome e de comer bolotas porque não havia
mais nada.
A bolota foi ainda alvo de questões políticas quando os romanos chegaram à Península
Ibérica e perceberam que os locais não produziam trigo que pudesse servir de alimento aos
seus soldados, porque comiam bolotas. Então, toda uma campanha foi montada para
denegrir quem consumia bolotas, de forma a promover o trabalho da terra e a produção do
trigo. Campanha que se repetiu em Espanha, quando Franco recusou o pão de bolota como
alimento para aqueles que passavam fome, não querendo dar parte de fraco e reconhecer os
problemas que o país enfrentava. E lembremos ainda os Carvalhos, que eram usados como
ponto de encontro para as deliberações e reuniões locais das comunidades autodeterminadas,
em períodos em que o governo central não chegava às províncias do interior.
A bolota, esse alimento tão democraticamente distribuído, volta a ser alvo de reconhecimento
e transformação entusiasta. De alimento para os porcos, transformou-se em “alimento
funcional”, com propriedades nutritivas reconhecidas, um elevado poder antioxidante e
ausência de glúten, que o torna muito adequado para celíacos.
A bolota representa, desta forma, um rendimento extra, proveniente de uma gestão
sustentável e multifuncional dos nossos Montados. Mas também pode representar um
rendimento para os Carvalhais do nosso país, na sua maioria votados ao abandono, e ser
assim uma razão para a sua gestão sustentável. Vários municípios e indivíduos, manifestaram
já a vontade de abraçar este desafio. O Município de Montemor-o-Novo tomou a dianteira e
tem, em conjunto com diversos parceiros da região, promovido este produto junto da
restauração local. A Confraria Ibérica da Bolota vai, entretanto, ser criada e terá a sua sede
na Herdade do Freixo do Meio.
Possa este entusiasmo dinamizar um produto acima de tudo discreto e versátil e que a sua
promoção sirva para manter uma rede de empresas diversa, representativa da autenticidade e
criatividade do território, como resultado da exploração de sistemas multifuncionais
sustentáveis como são os nossos Montados e Carvalhais.
Ana Margarida Fonseca, 07/12/2019